Introdução
Lá está ela, todas as noites. Ouço o farfalhar de seu vestido e seus passos rápidos atravessando o bosque. Aqui dentro, em meio a toda a suntuosidade do castelo, posso somente imaginar o motivo pelo qual a moça poderia correr por entre as tenebrosas árvores das profundezas do bosque nas madrugadas repletas de trevas. Ouço sua misteriosa voz falando sozinha, depois do que me parece ser uma longa corrida. Então, começa tudo de novo. O farfalhar, os passos ligeiros e, muitas vezes, gritos agudos e gargalhadas estridentes que atravessam meu coração. A moça corre como se estivesse a fugir de uma besta feroz. Todas as noites. Todas as noites. Será isso um sonho que se repete? Não sei. Só tenho certeza de que até o barulho de seus mínimos suspiros chega aos meus ouvidos, aqui no topo da torre leste. O único remédio para mim é ir averiguar, por mim mesmo, se há mesmo uma moça que corre pelo bosque de fora do castelo.
Parte I
Os raios de sol entram pela janela e me despertam. São seis horas da manhã. Hoje será mais um dia longo de trabalho mesmo para mim, um membro da família real. Preciso me levantar, mas sinto que algo consumiu minhas forças durante a madrugada, de modo que acordei mais cansado do que se não tivesse ido dormir. Lembro-me vagamente dos barulhos que penso ter ouvido durante a madrugada... ou seria tudo um devaneio? Enfim, levanto-me e contemplo, pela pequena janela, o bosque enevoado que há lá embaixo e o dia nublado, que parece se repetir há duas ou três semanas. Então, volto a mim e desço as escadas da torre para tomar meu desjejum. Porém, paro na metade da escada pouco iluminada e penso na moça do bosque. Por que é que ela corre lá todas as noites, gritando e falando sozinha? Será que se trata de alguma garota sandia da vila? Será que somente eu a ouço...?
Continuo meu caminho escada abaixo e dou de cara com meu irmão mais velho na saída para o salão principal. Ele, imediatamente, me diz:
- Rômulo, Rômulo! Como sempre, acordando na hora certa. Preciso de sua companhia hoje, pois vou caçar dois cervos para o Papai. Vamos partir daqui a mais ou menos três quartos de hora. Esteja pronto com seu cavalo lá na frente do portão!
Eu realmente quis recusar o pedido de meu irmão, mas não pude. Ele não me deixou nem tempo extra para lhe responder se ia ou não e já se dirigiu a seu cômodo, que ficava perto da torre norte. Eu sou o único que dorme no alto de uma torre, talvez porque goste de sentir o ar frio em meu rosto quando abro a janela no amanhecer. Além disso, a paisagem do bosque, para a qual minha janela dá diretamente, é maravilhosa de dia, apesar de ser misteriosa e até tenebrosa à luz noturna. Todo o resto da família dorme em seus devidos cômodos, que ficam no prédio principal.
Dirijo-me à cozinha do castelo. Lá está repleto de cozinheiros, que já acordaram para fazer os preparativos para o almoço de meu pai, o Rei. Eu, timidamente, tento adentrar a cozinha sem ser percebido, mas... no momento em que as pessoas me vêem, acabam largando tudo e se curvando, oferecendo-me seus serviços. Fingindo que não vi tal cena, continuo a me dirigir para um grande armário que há no canto direito, abro-o e pego um pedaço de pão. Então, retiro-me silenciosamente da cozinha e dirijo-me para o portão do castelo, onde há um criado a me esperar com meu cavalo negro. Subo no animal e, então, depois de alguns minutos, chega meu irmão e dá a ordem para partirmos. Com uma voz tremendamente grave e severa, ele ordena que o portão seja abaixado para que possamos partir. Então, alguns soldados começam a soltar as cordas e o grande portão vai se abaixando para o lado de fora do castelo, abrindo caminho para que possamos atravessar a profunda trincheira e sair de lá. Noto que a trincheira está totalmente cheia de água lamacenta, e que não seria uma boa tropeçar e cair ali dentro. Olho em direção leste e vejo o lugar a partir de onde começa o bosque cheio de mistério. Fora do castelo e, principalmente, na área do bosque, há uma névoa densa que se alastra por quilômetros. Não é possível ver nada nitidamente. É um péssimo dia para se ir à caça.
Porém, meu irmão escolhe justamente o bosque para irmos caçar. Cavalgamos em direção à densa névoa e nos embrenhamos em meio às árvores de galhos retorcidos espalhadas pelo terreno. Não há sinal de vida e eu não vajo chance alguma de ali haver qualquer animal, muito menos um cervo, dadas as condições em que se encontra o arvoredo. A paisagem tem um ar muito macabro, totalmente diferente do que vejo de lá de cima. Porém, meu irmão insiste que viu um animal e começa a cavalgar mais rapidamente para seguí-lo em meio à névoa. Então, ouço um barulho repentino às minhas costas e viro minha face e tronco para trás para ver se por um acaso há alguém ou algo a me seguir. Porém, só olho a tempo de ver um vulto branco sumir por trás de uma árvore gigante. Talvez fosse só impressão minha, ou poderia ter sido a roupa de alguém se escondendo por trás dela. Imediatamente, paro meu cavalo e dirijo-o em direção ao lugar onde vira o vulto. Porém, não há sinal de que alguém tenha passado por lá. Viro-me em direção ao meu irmão para pedir-lhe que me espere, mas não o vejo mais. Olho em volta e percebo que estou perdido no meio bosque, em meio à densa névoa cinzenta. Caio de meu cavalo, que desata-se a correr. Minha visão escurece e não sinto mais nada. Somente ouço uma gargalhada ao longe.
Continua
Continua